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A Lista Dos Perfis Psicológicos
A Lista Dos Perfis Psicológicos
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A Lista Dos Perfis Psicológicos


A certa altura, durante uma aula de Bases Psicológicas e Biológicas da Personalidade, descobri com fascínio como era possível analisar minuciosamente as pessoas a um ponto indescritível.

A maneira de ser, sentimentos e pensamentos ficavam a olho nu diante de um bom analista, capaz de descobrir os segredos de qualquer pessoa como se fossem transparentes como um cristal.

Algo que no início comecei a ler como um passatempo, já que não fazia parte das disciplinas obrigatórias, mas que aos poucos foi fazendo parte da minha especialidade, abordando-o em diversas disciplinas, aprofundando no que atualmente conhecemos como perfis e que são tão úteis para os juízes no seu trabalho pericial e, inclusive, no âmbito dos recursos humanos na hora de selecionar o candidato ideal.

― Benjamin Franklin, Carl Gustav Jung, Albert Einstein… e atreveu-se a fazê-lo, inclusive, com Stephen Hawking. Você é corajoso ou um visionário? ― Disse o homem do charuto.

Enquanto me afastava da porta, deixei o casaco sobre um cabide e procurando numa das prateleiras da estante, retirei um livro volumoso sobre perfis e disse para ele:

― Se quiser aprender, posso emprestar-lhe um dos meus livros.

― Não vim cá para perder tempo nem para receber aulas suas, apenas quero saber se você está qualificado para isso.

― Para o quê? ― Perguntei, tentando descobrir mais alguma coisa.

― Enganámo-nos, peço desculpa ― afirmou o homem, levantando-se.

― Está a referir-se a você querer ver se sou capaz de lhe dizer, que apesar do seu sotaque fingido e das suas maneiras, aparentemente refinadas, não é nada mais, nada menos, do que o filho de um comerciante que lhe ensinou o mundo das palavras e do blefar, empregando um certo grau de teatralidade na forma como manipula o medo e o desconforto, deixando transparecer que é você quem domina a situação, quando, na verdade nem sequer faz ideia de como vou reagir. E que o seu suposto guarda-costas, não é nada mais do que o seu motorista, daí ter segurado a minha mão sobre a maçaneta com as duas mãos e não com uma, como seria de esperar de alguém robusto e acostumado a recorrer à violência. E que você, por exemplo, está demasiado bem-vestido para usar uns sapatos tão desgastados nas solas, e que o charuto que está a fumar nem sequer é importado, o que me indica que você viaja com frequência e que não lhe importa a qualidade, mas sim a utilidade das coisas.

― E que mais? ― Perguntou o homem do charuto, sentando-se novamente no sofá do qual acabara de se levantar.

― Está claro que precisam de mim para alguma coisa que vocês mesmos não estão qualificados a fazer, provavelmente para analisar alguém ou para lhes dizer se alguém é quem diz ser. E virem até aqui quer dizer que, ou estão muito desesperados, ou então não querem que ninguém saiba. E como já faz tempo que eu não me dedico a isto, ninguém iria suspeitar de mim.

― Muito bem! ― Disse o homem enquanto olhava para o charuto com atenção. ― Tenho um pequeno problema e preciso da sua ajuda.

― Não me parece que seja pequeno. Invasão, ameaças… quando sair daqui terá muitos mais do que imagina.

― Você ainda não foi aprovado! ― Respondeu o homem que permanecia sentado a fumar o charuto.

― Aprovado? ― Perguntei admirado.

― É para isso que aqui estamos ― disse o homem que estava a obstruir a porta do quarto.

― Que mais é que sabe? ― Insistiu o homem que fumava.

― Muito bem! Pelo que vejo, você deve ser uma pessoa importante, mas não é um político ou um empresário, já que o seu parceiro da porta o respeita tanto que nem sequer se atreveu a interferir até agora, e o fez com um tom de respeito e não como se fosse uma precisão às suas palavras. Poderia dizer que quase que o venera, como se faz a um guia espiritual ou a um professor.

― Professor? ― Perguntou o homem do charuto, endireitando-se no assento.

― Bom, isso é o que lhe chamariam agora, mas a forma correta seria Mestre ― eu disse com um tom burlão.

― O que o fez chegar a essa conclusão? ― Questionou o homem ao levantar-se, deixando o charuto sobre a mesa onde estava o candeeiro.

― Cuidado com a mesa! ― Falei ao tentar aproximar-me dela quando senti que alguém me detinha por trás, agarrando-me pelos ombros.

― Responda à pergunta ― disse o homem que me agarrava por trás.

― Está bem! ― Respondi em tom de protesto enquanto me abanava, tentando libertar-me. ― O que o denunciou foi a marca no seu dedo anular, que agora está sem nada, mas que ainda mantém a marca de um anel de tamanho considerável que usa habitualmente, tal e qual o de um bispo ou assim parecido. Mas você não usa roupa ampla que nem eles, porque senão sentir-se-ia desconfortável com esse fato de boa qualidade que está a usar. E também não tem nenhum sinal na cabeça por usar um solidéu cristão ou quipá judeu, nem nada que se pareça, tendo eu descartado a opção religiosa. Além disso, tem uma pequeníssima cruz octogonal de Malta, com as suas oito pontas vermelhas, na lapela do seu casaco, também conhecida como a cruz de São João, para que quem não o reconhecer possa parecer ser só mais um adorno, e inclusivamente, ser confundido com o escudo de algum clube de futebol ou de alguma ordem religiosa como a de Santiago, mas sem sombra de dúvida que é a Cruz de Malta.

― Já esteve em Malta? ― Perguntou o homem ao olhar para aquele alfinete singular.

― Sim, há muito tempo atrás, mas gosto de conhecer os lugares onde vou, sobretudo a sua história, e a de Malta era muito singular.

― Singular? ― Perguntou o homem ao recostar-se no sofá e pegar no charuto para continuar a fumar.

― Uns cavaleiros, pertencentes à nobreza europeia, exilados do seu destino, ficam confinados numa ilha, em terras adversárias.

― Não é assim a história! ― Retificou aborrecido o fumador.

― Eu sei, mas a sua expressão corporal ajuda-me a definir o seu perfil. E pelo que vejo, você já não é um cidadão dessa ilha, mas um descendente intelectual dos seus Mestres. E atrever-me-ia a dizer que talvez também possa ser genético.

― Que importância é que isso tem? ― Perguntou, lançando lentamente uma baforada de fumaça.

― A-há! Você é descendente direto de um dos Mestres do lugar ― afirmei convito.

― As suas capacidades surpreendem-me. ― Indicou o homem, levantando-se do sofá. ― Para dizer a verdade, você é bem melhor do que eu pensava. Está aprovado!

― Aprovado? Para o quê? ― Perguntei inquieto ao vê-lo aproximar-se de mim com o charuto.

― Tenho três nomes e três destinos, está tudo nesta pasta. Quero um relatório de cada um deles, e gostaria de o ter até ao final do mês. Tenha uma boa tarde!

E dito isto, entregou-me a pasta, que não era pesada, e saiu do quarto seguindo aquele homem que o protegia, sem dizer mais nada. Deixando-me naquele quarto agora mais iluminado devido às luzes do corredor.

Ainda estava perplexo com o que se tinha passado, quando me voltei para lhes perguntar qual era o motivo daquele serviço, mas eles já tinham desaparecido no corredor e apanhado o elevador do qual eu tinha saído minutos antes.

A verdade é que eu conhecia muito mais da história de Malta do que tinha expressado, mas queria ver a sua reação diante de uma meia-verdade, a ver se aquela pessoa também sabia ou não.

Uma história extraordinária que começou há milhares de anos, mas que só alcançou o seu auge com uma decisão política de D. Carlos I de Espanha e V da Alemanha, que após receber notícias da derrota que a Ordem de São João tinha sofrido na ilha grega de Rodes pelas mãos dos Otomanos, permitiu que se instalassem numa pequena ilha, mais a sul do Mediterrâneo, como um ponto estratégico, uma vez que era a porta de acesso entre a Europa e África.

Desde então, todos os anos, em troca da sua cessão e como forma de reconhecimento pelo seu ato, os cavaleiros da Ordem de Malta deviam entregar, como tributo, o famoso Falcão Maltês.

Terra de pescadores que viu como a sua orografia se transformava num porto sem igual, – agora convertido num centro comercial e religioso – onde desembarcavam todas as maiores fortunas da Europa para ajudar na construção daquela que seria a maior fortaleza da história da época.

Uma ilha conhecida por se destacar pelas suas artes e avanços na medicina para onde os aspirantes a cavaleiros iam estudar e se formar. Tudo patrocinado e sustentado pelas casas reais europeias, que viam prosperar aquele pequeno lugar.

Mas aquilo não se tratava apenas de uma contribuição benéfica e altruísta que se realizava desde as monarquias europeias, pois desde que se instauraram na ilha, tiveram que fazer frente a todo o tipo de piratas e conquistadores que pretendiam apoderar-se das riquezas provenientes de África.

Mas os leais cavaleiros mantinham as suas águas limpas de ímpios e protegiam as mercadorias valiosas que cruzavam aquelas águas.

Um lugar desejado e temido ao mesmo tempo. Fortaleza de uma linhagem de cavaleiros, que se dizia serem descendentes dos cruzados que foram à Terra Santa.

A respeito disso, a realidade começava a confundir-se com a ficção. A tradição pretendia ressaltar a magnificência daqueles cavaleiros, com a indicação de que eram guardiões de grandes tesouros que acumulavam com receio, e até, que eram possuidores de relíquias provenientes da Terra Santa, entre elas, a mais valiosa – o Santo Graal.

De qualquer forma, isso podia ou não ser verdade, já que foram tantos os lugares autoproclamados como possuidores temporários desta majestosa relíquia, que se tornava impossível saber a verdade.

Se tivesse tido mais tempo para trocar mais informação com este Mestre, com certeza que me poderia ter esclarecido acerca desta e de outras questões, que ainda hoje permanecem um mistério sobre as figuras míticas de uns homens tão valentes e engenhosos que foram capazes de deter o avanço das temidas tropas de Solimão, o Magnífico. Personagem na qual realizei uma das minhas análises de perfis psicológicos, tal como fizera com outros grandes nomes da história, como Napoleão I ou o próprio Alexandre Magno, mas que, pelo seu distanciamento ao longo do tempo, não pude recolher mais do que pequenas histórias soltas, que talvez fossem apenas os seus súbditos a ressaltarem as bonanças da sua imagem, ou dos seus adversários, contando o quão cruel e impiedoso ele era. Algo que me fizera optar por personagens mais recentes, onde constasse documentação e, inclusivamente, algo escrito pela própria pessoa. Desta forma, era-me mais fácil aproximar-me da sua verdadeira personalidade e descobrir quais eram as suas ambições, desejos e anseios, mas também o que temia e evitava. Já que, por natureza, não só nos movimentamos por aquilo que queremos como também para evitarmos o que tememos.

Fechei a porta da sala e dirigi-me ao quarto, sentando-me na cama, pensativo – “Que situação mais estranha!”, pensei para mim. Se a tarde já tinha sido suficientemente estranha, isto seria a cereja no topo do bolo.