- Já sabia - explodiu Gaia - que era para Elio! Então mandem apenas ele no campo da tia.
- Não pretendemos que vá sozinho - insistiu Giulia.
- Eu não sou por acaso a sua babysitter!
- Mas és a irmã mais velha, e tu não dizes nada, Elio? - perguntou Carlo.
Elio não abriu a boca, limitou-se apenas ergueu os ombros.
Isto deixou encolerizado Gaia:
- Não dizes nada? Tanto para ti é igual, diga a mamã e o papá: não farás nada também no campo.
Elio acenou um sim com a cabeça para dar-lhe razão.
- Basta Gaia, não faças desta maneira! Já a decisão está tomada. Ha-de vir vos buscar o vosso primo Libero - concluiu o discurso Carlo.
Gaia saiu correndo desiludida e zangada.
- Vai passar - disse Giulia conhecendo a atitude positiva da filha no que diz respeito à vida.
Elio, sorrateiramente, retirou-se para o seu aposento.
Carlo ficou boquiaberto, todavia estava convencido que a decisão tomada fosse a melhor de alguns anos a esta parte.
Assim chegou a sexta-feira, Carlo foi buscar o sobrinho na estação ferroviária: foi uma grande alegria voltar a abraçá-lo.
Libero era um rapagão alegre, de modos simples e certamente não convencionais. Alto e magro, mas não franzino, tinha umas grandes mãos habituadas ao trabalho na fazena e o rosto obscurecido pelo sol. Os olhos verdes distinguiam-se no seu rosto, os cabelos eram castanhos, curtos, penteados com a risca lateral na moda no período após-guerra. Abraçou com força o tio e não cessou de falar até a casa.
Carlo reparava-o maravilhado, recordava o período em que tinha ficado mal e era apático e facilmente irritável. Claro, Libero não era um génio, mas a vida simples que levava o deixava feliz e Carlo quisera ver tão sereno também o filho Elio. Entretanto Libero estava com o nariz achatado na janelinha do automóvel do tio e fazia perguntas sobre tudo aquilo que via.
Em casa todos esperavam a sua chegada.
Giulia estava nervosa no momento em que terminava de preparar as malas, agora tinha chegado o momento e questionava-se de como iriam decorrer as coisas, o seu instinto de mulher dotada de um forte sentimento de mãe ganhar a dianteira.
Gaia, pelo contrário, já tinha absorvido o golpe, não lhe largava e estava no seu encalce fazendo mil perguntas sobre o que poderia ver e fazer nas proximidades da fazenda.
Não iam para lá desde quando eram muitos novos e estavam ainda os avós, quase não tinham mais a memória do lugar, senão alguma vaga recordação dos campos ou o cheiro das árvores onde brincavam jogando às escondidas.
Depois da morte do marido, a tia tinha tido dificuldades para reorganizar-se e tinha resolvido transferir-se para a antiga fazenda dos pais, jà abandonada, com os filhos.
Gaia ouviu o rumor da chave que girava na fechadura da porta e correu para acolher o primo que a carregou como tinha feito com o seu pai e a fez girar como quem está no carrossel. Gaia sorriu, não esperava este tipo de demonstração de afecto.
- Olá Libero, como estás? - perguntou com todo o coração ao primo que não via há bastante tempo.
-Bem, menina - respondeu Libero
No entanto, chegou Giulia e foi a única com a qual Libero comportou-se como cavalheiro, beijando-a apressadamente nas bochechas.
- Como decorreu a viagem? - procurou atenciosamente saber dele Giulia.
- Bem, a vaca de aço é certamente confortável e veloz para viajar e a cidade está cheia de coisas curiosas. Estou feliz de cá estar!
- Acomoda-se, com certeza estás cansado. Posso oferecer-te um gelado? - perguntou ainda Giulia.
- Sim, obrigado tia, eu adoro os gelados - aceitou com todo o gosto Libero - mas onde é que se meteu Elio?
- Elio está no seu quarto, estará ele a chegar - disse Carlo chateado com o filho que não se dignava em passar para saudar o primo que tinha feito aquela viagem apenas para vir buscá-lo e dirigiu-se para o seu quarto.
- Não, não tio - o pediu para deixar estar Libero - vou eu, quero fazer-lhe uma surpresa. Mostra-me apenas onde fica o seu quarto.
Assim que Carlo lho indicou, Libero lançou-se para o quarto onde ouviram-se os seus gritos de felicidade enquanto o saudava.
Nem sequer Elio, não obstante a sua frieza, conseguiu escapar ao abraço envolvente.
Gaia olhou surpresa a mãe e lhe sussurrou: não o imaginava assim pateta!
- Não digas isso - prontificou-se em repreendê-la Giulia - é um extraordinário rapaz e é também muito bom.
- Sim, mas… tem a certeza que conseguirá levar-nos ao destino? - perguntou perplexa Gaia.
- Claro que sim! - a tranquilizou Carlo - Não o subestime, juntamente com a mãe toma conta da fazenda. É forte e formidável.
Chegou a hora do jantar e foi muito elegre, com todas as cores trazidas do campo pelo Libero, naturalmente para todos excepto Elio.
- Não vejo a hora de mostrar-vos tudo - concluiu Libero, no fim da descrição da fazenda, dirigindo-se aos primos.
- Tens certeza que não queres ficar alguns dias antes de partir? - procurou saber Giulia.
- Não posso deixar a mamã sozinha neste período, há muito trabalho por fazer.
- Tens razão Libero, és na verdade um excelente rapaz - elogiou Carlo dando-lhe uma palmadinha nas costas.
- Sabes tio, questionava-me sobre uma coisa no carro, antes de chegar na cidade pensava que a buzina nos automóveis servisse apenas em caso de perigo…
- Claro - respondeu Carlo - por quê?
- Porque parece que aqui a usam todos para fazer festa, não cessam por acaso de tocá-la!
Todos, excepto Elio, rebentaram de tanto rir questionando-se no fundo dos seus corações se Libero estivesse a zombar ou se era realmente assim…
Terceiro Capítulo
Apercebendo-se do seu terror, começou a rir
Na manhã seguinte a fazer cair da cama a Giulia foi Libero, tropeçando no tapete do corredor. É assim, ele e a tia, encontravam-se a tomar o pequeno-almoço antes que todos os outros acordassem. quando o cheiro do café inundou o quarto de Carlo juntou-se ele também e, junto da esposa, pôs-se a contar aquilo que estava a suceder a Elio.
- Nao fiquem assustado - lhes tranquilizou o rapaz - esta experiência fora de casa será benéfico para ele e depois a mamã já preparou um plano de ataque!
Na estação Giulia não fazia outra coisa que advertir os rapazes, para que se comportassem bem na casa da tia.
Gaia não estava mais na pele pela emoção e pela curiosidade, no momento em que, por hábito, via-se a uma légua como Elio tivesse sido arrastado naquela história. puxava a pesada mala de Gaia porque Libero o tinha forçado: “As senhoritas não carregam coisas pesadas!”, na verdade aquele seu primo o tinha cansado.
Libero, de jeans e camiseta, trazia também um chapeuzinho amarelo-escuro da proteção civil que para os primos parecia fora do lugar e levava todo o resto das bagagens como se tratasse de malas vazias.
O comboio deixou a estação na hora exacta. apenas eles os três ocupavam o compartimento. Libero arrumou as malas na apropriada prateleira e propôs:
- Gaia aproxima, vamos para o vagao-restaurante tomar outra vez o pequeno-almoço, chegaremos tarde na fazenda e tens de manter-se forte. Elio ficará a tomar conta das malas, has-de ver que ninguém vai se aproximar das nossas coisas. se for o caso rosna! - disse sorrindo dirigindo-se ao primo - E se não fazer cara feia vamos trazer alguma coisa comestivel tambem para ti…
Os dois primos sairam do compartimento para o grande alivio de Elio, desejoso para ficar sozinho.
fixava a paisagem fora a partir da janelinha sempre igual e si mesmo, mal tinham saido da zona industrial e eis finalmente viam-se os primeiros campos cultivados e mais ainda campos e mais campos e colinas e mais ainda colinas e campos.
De repente viu, um reflexo no vidro da janelinha, um senhor que estava sentado no assento da fila ao lado da sua, apenas depois do corredor.
Entrara quando no compartimento? Não ouvira a porta abrir-se.
O fulano estava vestido de preto e tinha uns pequenos óculos estranhos no nariz, estava a ler um livro encadernado em couro preto com as páginas de papel de seda, que parecia antigo por uma centena de anos. Tinha na cabeça um chapéu com abas largas que lhe cobria o rosto e é preciso dizer que metia inquietação.
Elio não virou, continuava e tê-lo de olho reparando o seu reflexo no vidro da janelinha. criava-lhe medo estar ali sozinho com aquele fulano. no momento quisera que o primo, muito robusto, regressasse o mais rápido para o compartimento, mas dele e de gaia nem sequer uma sombra.
no entanto o fulano continuava a ler, interrompia-se de vez em quando para reparar um antigo relogio que extraía do bolsinho do colete, vestido por baixo do seu fato completo de uma elegancia dos outros tempos.
Isto enervava posteriormente a Elio que se questionava do que estivesse à espera, devia ser certamente algo de importante para continuar a reparar o relogio todo o tempo.
depois, de repente, o fulano, depois de ter reparado mais uma vez o seu relogio, fechou o livro e baixou para pegar algo numa bolsa preta encostada no pavimento entre as suas pernas. as calças ligeiramente levantadas mostravam uns tornozelos pretos e subtis e umas estranhas peúgas que pareciam de pêlo preto.
Elio não conseguia conter a sua inquietação e começou a tremer. Eis que o fulano, apercebendo-se do seu pavor, começou a rir enquanto continuava a revistar na bolsa. Era uma risada profunda e lúgubre que ecoava nas suas orelhas e para não ouvi-la mais tapou os seus típanos com as mãos. Fechou os olhos para não ver no vidro o reflexo daquele homem e dentro de si rezou: “Faça que volte Libero, faça que volte Libero”.
A porta do compartimento abriu-se de repente.
- Elio, mas o que estás a fazer? Apanhaste sei lá uma otite da cidade? Nao quererás por acaso acabar connosco pobres campesinos com este virus dos citadinos!
Elio teve um sobressalto, depois, reconhecida a voz jocosa do primo, voltou-se e viu na porta Libero que fartava-se de rir com uma saqueta e uma bebida na mão, atras dele estava Gaia que dava dentadas a um croissã enorme.
Do fulano nenhuma peugada, como tinha aparecido assim tinha desaparecido. desaparecido ele, o seu livro, o seu relogio e a sua bolsa.
Libero sentou-se ao lado dele e deu-lhe um croissã e notou que estava a tremer.
- Aconteceu alguma coisa? - questionou-lhe.
- Creio que seja uma pequana má-disposiçao por causa do comboio- mentiu Elio.
Gaia percebeu que o seu irmão estava a ter uma das suas crises e propôs-se de novo para falar em segredo com Libero.
O resto da viagem foi tranquilo. Libero descreveu aos rapazes a festa da ceifa que se realizaria dentro de pouco tempo e envolvia todas as aldeias vizinhas. Efectuar-se-ia ao ar livre com danças tradicionais, como a tarantela, e nao só também danças modernas.
Elio olhava a irmã e o primo e se questionava como teria feito aqueles dois para sintonizar-se tao cedo no mesmo canal. mas estava feliz nao estando a viajar sozinho, todos aqueles acontecimentos estranhos começavam a preocupá-lo. era vitima de uma conspiração ou devia começar a duvidar da sua integridade mental?
Libero agitou-se, era hora para preparar-se para descer, tinha visto da janelinha a casa da senhora Gina que tinha tomado como ponto de referencia. o comboio parou, ele carregou todas as malas enquanto Gaia abria a porta do vagao, e lançou-se para fora, agitava-se como quem, como ele, viajava poucas vezes.
Os habitantes do local a chamavam estação, mas era apenas uma paragem. únicas comodidades uma marquesa com o tecto com um buraco e uma maquina automatica para comprar os bilhetes, sempre quebrada, que dizia a todos os passantes “Fiquem atentos, a estação nao está vigiado, poderiam sofrer um roubo de esticão”.
Libero suspirou profundo e disse:
- Agora sim que se respira. Bem-vindos a Campoverde.
- Ja sinto o cheiro dos campos - notou Gaia - Nao é verdade Elio?
Elio nao sentia a diferença com a cidade e ergueu os ombros.
- Elio, tu carrega a mala de Gaia, eu levarei o resto - ordenou Libero.
Para Gaia esta atitude de cavalheiro, que em outros casos a teria importunado, feito com esta natureza, a divertia e estava no jogo. quiçá a sua avaliaçao inicial do primo tinha sido precipitada, nao era pois tao pateta…
Gaia e Libero passaram diante da maquina falante que pela milesima vez repetiu a mesma frase e sorrindo encaminharam-se para a passagem subterranea.
Elio teve que pegar com as duas mãos a enorme mala de gaia para descer as escadas da passagem subterranea e de novo para subir. isto arrasou-o.
nos ultimos degraus deu fundo a todas as suas forças, na convicçao de que a tia estivesse à espera deles para dar a sua mao.
Fora da estaçao, apenas o parque de estacionamento vazio estava à espera deles. Libero, com a prima ao seu lado, dirigiu-se para a esquerda para uma longa rua estreita e asfaltada perfeitamente. nas bermas da rua somente dois canais de agua a separavam dos campos de milho de uma parte e de trigo doutra.
elio, desesperado, no momento em que recuperava o folego, gritou para eles esperam por mim. a irmã virou perturbada, nao ouvia o irmão falar em voz alta há anos, muito menos para imaginar a gritar daquele jeito.
- Onde está a ajuda da tia? - perguntou Elio.
- Ah, estava a esquecer, telefonou para mim antes, disse que nao poderia vir porque Camilla, a nossa vaca, deve parir de um momento para o outro e nao pode distanciar-se.
- Camilla, parir? E agora, como faremos? - interrogou Elio ofegando.
- Fique tranquilo, só quatro quilometros e ja estamos na fazenda - acrecentou Libero num tom tranquilizador.
- Quatro quilometros? - foram as ultimas palavras de Elio.
- Força! a mala da tua irma tem por acaso pequenas rodas! - zombou dele Libero e dizendo desta forma retomou a caminhada.
ao de longe começavam a vislumbrar-se as primeiras casas da aldeia.
- Ali está! aquela casa com a cerejeira é a nossa fazenda.
Libero apontou uma granja encarnada veneziana com partes verde-escuras. na parte frontal havia um lindissimo jardim, bem tratado, nas suas traseiras havia curral e o estendal para a roupa, mais adiante estendiam-se os campos.
- Mamã, chegamos! - gritou Libero largando as malas na pequena alameda e correndo para o curral.
a tia Ida saiu pela porta de casa.
- Os meus sobrinhos! - gritou de alegria.
Gaia atirou-se de braços abertos e abraçou-a. Elio aproximou-se estourado e deu-lhe, por educaçao, um beijo na bochecha.
Ida tinha acabado de completar os cinquenta anos, mas a beleza nao tinha ainda perdido a sua exiberancia embora ela nada fazia para pô-la em evidencia. era de uma altura média e magra, bem proporcionada, mas os seus braços e as suas pernas tinham musculos adelgaçados e fortes para fazer inveja a um atleta de corrida campestre. a vida dura da fazenda era o seu treinamento diario. tinha os cabelos loiros, que os tinha recolhidos em rabo de cavalo, a pele do rosto clara e uns lindissimos olhos verdes, como aqueles do neto.
no entanto Libero gritava alegre por ter regressado ao curral:
- Camilla teve uma femea! outro leite a chegar!
a tia os convidou para entrar, a mesa estava arrumada e pelo ar o bom cheiro do almoço pronto. os rapazes comeram famintos, Gaia nao cessava mais de contar as emoçoes da viagem à tia.
depois do almoço, Gaia ajudou a tia a arrumar a cozinha, enquanto Libero puxou o Elio numa passeata pela fazenda pedindo-lhe, ou melhor ordenando-lhe, para ajudá-lo em cada trabalho.
à noite a tia explicou a eles que teriam que dormir na sala de estar, no sofá-cama, até que nao teriam que arranjar o sotao que tornar-se-ia o quarto deles durante o verao.
Gaia precipitou-se pelas escadas atras da tia para dar uma olhadela. Elio, pelo contrario, estava assolado por mais uma má noticia.
subiram até ao andar onde havia os quartos da tia, do Libero e do ercole, o mais novo da casa que estava no campo de escutismo. Ida lhe indicou a pequena escada de madeira que conduzia até ao sotao, ela nao subira, estava cansada de fazer vaivem, tinha estado ja varias vezes durante o dia para abrir as persianas e fazer entrar o ar.
ao mesmo tempo, a tia dirigiu-se para o seu quarto para telefonar secretamente à cunhada Giulia, queria actualizá-la sobre a chegada dos filhos.
Giulia nao deixou tocar o telefone uma segunda vez.
- Olá querida, como estás? - perguntou Ida.
- Bem, mas conta-me como ocorreu.
- Consegiu chegar até aqui a pé a partir da estaçao sem desmaiar. pensava que eu estaria de carro à espera deles, como desculpa Libero lhe disse que a vaca Camilla devia parir - fartava-se de rir Ida.
- Gostaria de tê-lo visto suado!
- Depois do almoço - começou a relatar Ida, mas Giulia a interrompeu.
- Comeu alguma coisa?
- sim, limpou o pratro da entrada e a carne.
- Wow! na nossa casa nao dá que uma mordidela de uma sanduiche.
- é duro, nao fala - disse Ida - Mas verás que consiguiremos fazê-lo recuperar um bocadinho.
no fundo ouvia-se Carlo a perguntar e rir.
- TV e videojogos escondi-os, se tiver que ser remedio muito forte assim será.
Elio, deitado de forma extremamente inconveniente no sofá, nao lograva mover um musculo, há anos que nao se movimentava tanto assim.
na escola, com uma desculpa ou outra, conseguia mesmo saltar a hora da gunastica.
- Elio, anda, corre vai chamar a tua irma, preciso de ajuda para preparar o jantar.
Elio nao dava credito às suas orelhas, levantar-se lhe parecia impossivel.
Mas a tia, com tom de general que nao admitia resposta negativa, intimou:
- Elio, ouviste?
- Estou a ir - respondeu e com uma cara de fúnebre dirigiu-se para as escadas.
parou em baixo da escada de madeira e começou a chamá-la para descer.
Gaia, nao obstante os gritos do irmao, nao respondia.
ainda mais aflito, subiu as escadas. o semi-obscuro que provinha do sotao lhe causava ansiedade. um degrau depois do outro o trajecto lhe parecia infinito. chegado com a cabeça apenas por baixo do orificio rectangular, começou de novo a chamar, uma vez ainda respondeu o silencio. ganhou força e enfrentou os ultimos degraus. por cima algo lhe pegou o braço.
elio ficou paralisado, com os olhos fechados, o terror desenhou-se no seu rosto.
- apanhei-te! - exclamou Gaia que viu o irmao naquela condiçao.
- Larga-me idiota, deixou-me preocupado, nao podia responder.
Gaia nao colheu a provocaçao e visto que tinha ficado curiosa sobre aquilo que tinha achado disse:
- Este sotao está cheio de coisas estranhas. venha, olha o que te faço ver…
Elio terminou de subir e seguiu a irma que estava a folhear algumas fotos antigas.
- olha como é burlesco? - disse passando-lhe.
- O que é que há de Burlesco? perguntou Elio.
- como o quê? - questionou Gaia - nao o reconheces?
- quem? - procurou saber ainda Elio.
- O papá! - exclamou Gaia.
- Papá? Tens razao, trajado desta maneira nao o tinha reconhecido, assemelha um pouco a Libero. está vestido da mesma maneira!
finalmente, depois de tanto tempo, escapou-lhe um sorriso. Gaia, no entanto, folheava com curiosidade as outras fotos.
- viste esta? parece Libero quando rapazote, está tao sério e amuado que quase nao se reconhece.
Na foto via-se uma criança, franzina, com o olhar fixo no vazio, palido e inexpressivo.
- Parece que tenha sido sequetrado pelos alheios - comentou Gaia.
a imagem o figurava no jardim, mantinha bem seguras na mao as suas pequenas maquinas. tinha sido tirada ao anoitecer, com o pôr do sol às suas costas, à sua longa sombra ladeava uma segunda, mas a criança estava apenas na foto.
Elio começou a fixá-la e apontou preocupado:
- Vés esta sombra?
- Qual?
Elio começou a agitar-se:
- Esta, nao vés? Esta cuja nao corresponde a nenhum corpo - disse indicando-a.
- Esta? estás enganado, provem da arvore.
embora nao estava convencida pela perspectiva, Gaia tentou tranquilizá-lo.
Elio nao queria parecer-lhe doido e, para evitar de retomar o assunto, encarou de frente o motivo pelo qual encontrava-se ali.
- Devemos descer, a tia tinha-me mandado para chamar-te, precisa de ajuda para o jantar.
- tu ficas aqui? - perguntou-lhe Gaia saltando para cima como um grilo e dirigindo-se para as escadas.
elio imaginou que nao ficaria nem sequer sonhando lá em cima sozinho.
- não, desço contigo - respondeu.
Gaia encontrou a tia atarefada a preparar o jantar e começou a ajudá-la.
Elio estava para dobrar as pernas e atirar-se no sofá quando chegou a voz de Ida.
- o que fazes? levanta, anda, venha ajudar, nao é ainda hora para repousar, prepara a mesa.
- Onde está Libero? - perguntou Gaia.
- Certamente está a terminar de fechar os currais - respondeu Ida - Elio, se terminaste, por que nao vais chamá-lo?
- vou eu - ofereceu-se Gaia feliz.
- Nao, ainda preciso de ti aqui, deixa que vá o teu irmao.
- sim, respondeu exausto Elio, que estranhamente tinha um apetite de leao.
saido da porta de casa, olhou por aí para tentar ver o primo, estava nos campos, sentado no tractor, estava a observar o céu.
elio aproximou-se gritando, parecia que naquele dia todos tivessem perdito a audiçao porque mesmo ele, como Gaia antes nao lhe respondiam.
“Esperamos que seja contagioso assim perco eu tambem a audiçao e posso deitar-me sem responder a ninguem” reflectia Elio.
Devia chegar até perto do veiculo para ter uma resposta.
- por que estás a gritar? - perguntou Libero.
- Ja devias estar dentro de casa, está na hora do jantar - respondeu Elio.
- Venha rapido - convidou-o como quem nao estivesse a ouvir o que estava a dizer.
- Eu lá em cima?
- sim, aqui em cima, quero mostrar-te uma coisa.
Elio subiu, Libero estreitou-se um pouco e sentaram-se juntos.
- Olha que maravilha! -exclamou Libero apontado o céu - imaginar que alguns anos atras nao conseguia vê-lo.
- O quê? - perguntou Elio procurando ver nao sei qual estranheza.
- O céu - repetiu.
- O céu?
- Sim o céu, é uma coisa lindissima, mas muitas vezes durante muito tempo da nossa vida nao erguemos a cabeça para observá-lo e nao tenciono observá-lo para ver o tempo que faz, mas admirá-lo em silencio, como faz-se com o mar, que estando numa posiçao favoravel aos olhos, é apreciado com mais frequencia. Tu nunca páras para observá-lo?
- nao.
- contudo deverias, é muito fortificante e coloca muitas coisas na justa prespectiva.
Elio espantou-se de tanta profundidade do primo e ficou em silencio com ele durante um pouco a fixá-lo.
do branco cegante até as tonalidades do fumo, as nuvens estavam suspensas entre as duas faixas do céu, céu plumbeo em baixo deles, céu turqui em cima, misto aos reverberos ocre de um sol ja quase a pôr-se que as iluminava tornando o seu cume dourado e dando a sensaçao de ser a luz de um outro mundo, ali a iluminar uma vida que sobre eles se desenvolvia. densas, como albumen montado em forma de neve, aquelas brancas, emporcalhadas, como no choro pictorico de uma criança de três anos, aquelas cinzentas.
entre todas distinguiam-se uma, com a forma de unicornio, que se perfilava no fundo branco como se o cinzento animal corresse nas brancas pradarias celestes. precisamente como num afresco do Tiepolo, este sotao desfundado natural tendia ao infinito que existe além do visivel, ao misterio que faz sentir as nossas pequenas almas e ao mesmo tempo eternas.
libero de repente saltou para baixo a partir do tractor.