— Quer beber alguma coisa? — e a vi acenar discretamente para Rosa, que respondeu a ela somente com um balançar de cabeça, certamente, indignada por causa das aulas de inglês.
— Estou bem. Obrigada — respondeu Alyce.
— Você já conhece Alexander, não? — perguntei a Alyce e fiz sinal a Rosa para que me trouxesse uma taça de vinho.
— Sim. Vemo-nos sempre na House’s Barrys. Não sabia que também trabalhava particularmente para Gaius. Como vai, Senhor Walker? — perguntou ela.
— Por favor, chame-me de Alexander. Eu cuido de assuntos mais particulares para ele, sim. Espero estar correspondendo às expectativas que Gaius depositou em mim — e olhou-me como se pedisse um elogio em público.
— Estamos indo bem, Alexander. Você quadruplicou minha fortuna nestes quase sete anos que trabalha para mim. Fez um bom trabalho, mas sei que podemos conseguir um pouco mais, não é? — respondi, recebendo a taça de vinho das mãos de Rosa e provocando meu advogado a trabalhar mais para me deixar mais rico do que já era.
Enquanto me entregava a taça, Rosa comentou com a voz baixa:
— Arthur não queria almoçar. Ficou olhando as fotos do pai. Chorou e depois dormiu.
Nisso, virei minha cabeça para minha cama e vi meu sobrinho dormindo de bruços. Ele era tão miúdo para a idade que tinha. Parecia tão sereno ao dormir. Cheguei a pensar que estivesse morto em minha cama. Por um instante, fixei meu olhar nele e tive compaixão.
— Acha que devemos ir para o outro quarto, Rosa? — perguntei, baixando o volume da voz.
— Não precisa. Ele sempre teve um sono muito leve, mas dorme melhor com pessoas por perto. Seus pesadelos são sempre nas madrugadas, quando sabe que está sozinho. Agora, basta não falar alto.
— Vamos falar mais baixo, pois Arthur está dormindo — pedi, olhando para Alyce e Alexander.
— O que faz aqui, Senhorita Stein? — perguntou Alexander à Alyce, enquanto Rosa voltava para a mesa onde estava estudando.
— A partir de hoje, Alyce é minha assistente pessoal, Alexander. E trabalhará diretamente com você. Ela está ciente do que faremos — respondi antes que ela falasse e dei um gole no vinho, contemplando o sorriso dele ao saber que teria mais contato com ela por causa do trabalho.
Alyce sorriu meigamente e completou:
— Por favor, chame-me de Alyce, Alexander. Gaius me pegou de surpresa, mas conseguimos nos entender. Acredito que compreendi o que ele espera de mim — respondeu ela.
Nisso, aproximei-me dela e comentei:
— Tenho certeza de que você e Alexander, juntos, poderão me ajudar a conseguir o que quero mais rapidamente — e sorri para ela, beijando seu rosto.
— Espero que sim — comentou ela.
— Alyce, vou deixar você conversando com Alexander, a fim de ele explicar em que momento estamos do nosso plano. Fique à vontade — e afastei-me deles.
Acenei para James, cumprimentando-o, enquanto acendi um cigarro e caminhava para a varanda da suíte. Lá, dei um trago, um gole no vinho e observei Rosa e Juanita, aprendendo inglês com o professor em uma mesa, Arthur, que dormia em minha cama, e Alexander e Alyce, conversando em outra mesa. Com o olhar fixo neles, tive a impressão de que o advogado flertava com minha assistente, sorrindo demais para ela. Alyce parecia não perceber o que acontecia. Por isso, talvez, naquele momento, tornou-se mais atraente para ele. Alexander tinha pouco mais de quarenta e cinco anos, era baixo e não tinha tempo para exercícios físicos, o que lhe proporcionava um abdome flácido. Era magro, mas não conseguia esconder um pequeno excesso de gordura na barriga ao vestir-se formalmente com sua camisa social branca por dentro de sua calça azul-marinho. Ao sentar-se, era impossível, a qualquer pessoa, não observar aquela gordura abdominal, que tentava escapar do tecido, derramando-se para frente. O grisalho de seus cabelos e a pele do rosto manchada por falta de cuidados externavam o quanto ele trabalhava por dia, inclusive aos fins de semana. Sua barba estava feita todos os dias, religiosamente. Certamente, uma tentativa de parecer mais jovem do que era de fato, visto que, até aquele momento, ainda não havia casado. Alexander era branco, nascido em Detroit, Michigan, e morava em Nova Iorque desde que se formou como advogado, aos vinte e poucos anos. Alyce exibia sua negritude com orgulho. Seu cabelo black power, visivelmente hidratado e bem cuidado, era a prova disso. Ela era alta, esguia, e sua boca carnuda não passava despercebida em lugar algum. Sua beleza resplandecia ao sorrir, com a boca e com os olhos. A harmonia de seu rosto e corpo coadunava-se bem com sua simpatia, simplicidade e felicidade, quase escondendo que ela tinha trinta anos, fazendo-a parecer ter menos. Alyce era bela, nascida em Gramado, Brasil, e morava em Manhattan desde a sua adolescência, quando foi levada por sua tia viúva, de origem alemã, para lhe fazer companhia. À época, reconheceu naquilo uma oportunidade para alcançar seus objetivos profissionais. Então, aceitou, visto que sempre foi ambiciosa. Observando-os juntos, conversando e entendendo-se, mais Rosa e Juanita, estudando inglês, tive a sensação de que o meu plano estava, de fato, começando a acontecer. Instantes depois, olhando para o cigarro em meus dedos, que chegava ao fim, meus pensamentos foram interrompidos pela voz de Alyce, que caminhava em minha direção calmamente.
— Ele me explicou algumas coisas — e foi entrando na varanda, apreciando a vista comigo.
— Acredito que vocês se darão bem. É importante que estejam alinhados em todos os detalhes — respondi, deixando claro que precisava de sincronia entre eles, enquanto acendi outro cigarro.
Alyce balançou a cabeça, afirmando que entendeu o que falei e perguntou:
— Muito bem, Gaius. Estou aqui. O que precisa que eu faça?
— Vou pedir a Alexander para efetuar sua demissão da House’s Barrys o mais rápido possível. A partir de hoje, você não precisa mais ir para lá. Darei a você um bônus em dinheiro mais o seu salário deste mês. Assim, poderá pensar em mobiliar seu novo apartamento. Preciso que contrate um chefe de cozinha de nível internacional. Não necessito que ele trabalhe exclusivamente para mim. Certifique-se de que seja alguém que possa ensinar algumas coisas mais simples para Rosa, pois quero que ela aprenda a fazer pratos mais sofisticados. Encontre um bom relações públicas. Não é necessário que seja exclusivo. Alguém que não tenha muita notoriedade na imprensa, mas que seja ambicioso o suficiente para não ser tão honesto quando for preciso. Tanto o cozinheiro quanto o relações públicas precisam ser homens. Eles são mais corruptíveis — respondi, imprimindo um tom de seriedade em cada ordem que dei.
— Com que prioridade precisa desses profissionais? — perguntou ela.
— Eles, mais o bartender, começarão a trabalhar para mim quando for morar no meu novo apartamento, que você vai procurar. Não esqueça que gosto de espaço e arquitetura que mesclem o moderno com o clássico. Será preciso alguém para decorá-lo para mim, mas isso pode esperar — respondi e dei mais um gole no vinho e um trago demorado.
— Parece que tenho algumas coisas para fazer agora, não é? — comentou, tentando se organizar com as informações que recebeu.
— Hoje é sábado, Alyce. Vá curtir seu novo apartamento e pensar em como mobiliá-lo. Começamos na segunda às 13h, aqui. Vou avisar à recepção que você tem acesso livre às duas suítes que estão reservadas para mim. Você já esteve aqui antes da viagem, deve saber como tudo funciona. Estou hospedado nesta suíte, e Rosa, Juanita e Arthur em outra, ao lado desta. Não chegue antes das 13h e não me acorde por nenhum motivo, por favor.
— Obrigado por me dar tempo para pensar em como fazer tudo isso, Gaius. Novo apartamento, cozinheiro internacional, relações públicas... Desse jeito, vai gastar toda a sua fortuna com seu plano — comentou ela.
Dei um sorrisinho e respondi:
— Não se preocupe com dinheiro. Gaste o que for preciso, pois ao terminar tudo isso, é muito provável que eu esteja cinco ou seis vezes mais rico do que sou agora, se é que não chegarei a ser trilionário.
Alyce abriu um sorriso meio que desacreditando no que ouviu, despediu-se de mim com um beijo no rosto e caminhava para o interior da suíte, quando pedi a ela:
— Só mais uma coisa, por favor.
Ela parou, olhou para trás e pôs-se a ouvir atentamente.
— Avise a Aidan que retornei à cidade e que quero jantar com ele no domingo à noite. Vou ajudar você a conseguir meu novo apartamento — e pisquei meu olho para ela, sorrindo maliciosamente, enquanto a vi franzir a testa, esforçando-se, em vão, para compreender a conexão de uma coisa com a outra.
No dia seguinte, enquanto tomava meu café da manhã, uma mensagem de Alyce em meu celular fez-me sorrir:
“Gaius, Aidan aceitou seu convite para jantar. Ele insistiu para saber onde você estava hospedado e para que eu informasse seu novo número de celular. Achei melhor falar com você antes. O que devo dizer a ele? Onde quer jantar? Devo reservar algum lugar?”
Larguei o suco de laranja que bebia e escrevi para ela:
“Verão. Lagosta. The Palm, às 21h. Faça reserva e peça uma mesa discreta. Encontro-o lá.”
Cheguei ao restaurante para o encontro com Aidan vinte e cinco minutos depois do combinado. Caminhando com o maître para minha mesa, avistei-o, visivelmente nervoso, com um copo de uísque na mão, olhando para os lados, como se me procurasse. De repente, os olhos cor de âmbar dele encontraram os meus. Naquele momento, quase senti em meu corpo os batimentos cardíacos descompassados que ele deve ter tido ao me ver. O tempo pareceu não passar para ele, pois continuava belo e sexy, aquele corpo atlético. Ele vestia uma camisa social branca com os dois primeiros botões abertos, deixando, à mostra, seu peitoral depilado e rígido. O blazer cinza riscado em estilo clássico de um único botão e as mangas repuxadas até a altura do final do antebraço conferiam, a ele, um aspecto despojado, mas sem deixar de ser formal. Por que ele está usando esse blazer? Esse modelo é para o outono e inverno, e não para o verão. Pensei. Seu cabelo estava disciplinarmente ordenado de forma clássica, da esquerda para a direita. E seu rosto liso demonstrava que a barba havia sido feita naquele mesmo dia. Sorri discretamente para ele e continuei caminhando, enquanto o vi levantar para me receber. Ele vestia sapatos e calça pretos. Por um instante, tentei descobrir que sapatos eram aqueles que brilhavam tanto, mas não me contive e fitei meus olhos em seu par de coxas grossas, devidamente marcadas pela calça slim, que valorizava os contornos do seu membro. Uau! Como ele está gostoso! Pensei. Contemplando a beleza de Aidan, lembrei que fazia algumas semanas que eu não transava, e quase esqueci qual a finalidade daquele jantar, embora eu soubesse que seria difícil resistir, pois ele estava terrivelmente sexy naquela noite. Ao chegar à mesa, depois de me beijar o rosto e desejar-me boa-noite, Aidan esperou que eu me sentasse e, somente depois, retornou à sua cadeira. De lá, olhava-me já marejando os olhos, enquanto o maître perguntava se conhecíamos o restaurante.
— Conheço, sim. Vim aqui diversas vezes com meu irmão — respondi, educadamente, e pedi para que enviasse alguém que me trouxesse a carta de vinhos, quase sugerindo que precisava de privacidade.
A sós com Aidan, pude contemplar seu rosto emocionado. Estávamos em silêncio, olhando-nos e acostumando-nos, novamente, com a presença um do outro, depois de seis meses sem nos vermos ou falarmos. Algumas vezes, desviei meus olhos dos dele e busquei apreciar com a ponta dos dedos aquele tecido nobre sobre aquela mesa redonda, posicionada em um local tão intimista, mesmo com o restaurante abarrotado de pessoas. De soslaio, percebi-o me olhando, enquanto bebia seu uísque de forma tão provocante. Nisso, quebrei o silêncio e falei:
— Obrigado por aceitar meu convite, Aidan.
Ele sorriu, como se não acreditasse que estava jantando comigo. E respondeu:
— Confesso que fiquei surpreso, quando Alyce me ligou. Surpreso e feliz — e deu mais um gole no uísque.
— Fiquei com vontade de apreciar uma lagosta e pensei que seria uma oportunidade para reencontrar você. Disse que voltaria, não foi? — comentei e perguntei de forma natural, mas sentindo algo inflar dentro de mim, quando falei no fruto do mar.
Controle-se, Gaius! Controle-se, Gaius! Repetia várias vezes para mim mesmo, tentando não me desviar do objetivo.
— Que bom que se lembrou de mim. Onde esteve durante esse tempo todo? Já faz mais de seis meses que nos vimos, não? — perguntou, curioso.
Antes que conseguisse responder, o garçom se aproximou, desejou-nos boa-noite e nos entregou a carta de vinhos.
— Aidan, confio no seu bom gosto. Pede um vinho para mim?
— Claro que peço — respondeu, sem conseguir disfarçar o entusiasmo.
— Com licença. Vou ao banheiro — e saí da mesa.
Lá, tranquei-me dentro de um box, pressionei minhas mãos contra minha boca para não gritar e comecei a chorar, tamanha a dor, saudade e o ódio que carregava em meu peito. Instantes depois, tentei controlar minha respiração, a fim de me acalmar, e percebi que uma sensação de alívio ganhava espaço em mim. Caminhei até as pias e, diante do espelho, encarando meus olhos levemente avermelhados, lavei as mãos demoradamente. Depois, com um lenço de papel, tentei harmonizar a maquiagem manchada pelas lágrimas. Que inferno! Esse lápis da Dior não deveria ser à prova d’água? Uma última olhadela no espelho para conferir como estava. Nisso, um homem saiu do box, aproximou-se para lavar as mãos e pôs-se a me encarar pelo espelho. Ele olhava como se me conhecesse. Desviei o olhar e saí do banheiro, retornando à mesa.
— Está tudo bem? — perguntou Aidan, enquanto eu sentava.
— Sim. Pediu o vinho? — respondi.
— Veja se gosta deste — e virou o rótulo da garrafa para que eu visse o que pediu.
Nisso, o garçom se aproximou e serviu água em nossas taças.
— Fez um bom pedido, Aidan. Mas sei que aqui eles têm um francês, que é quase uma raridade em Nova Iorque. Importa-se se trocarmos o vinho? — perguntei, educadamente.
Aidan pareceu decepcionado por não ter acertado na escolha do vinho para mim. Vi, em seu rosto, uma sensação de fracasso. Gosto de fazer isso com ele. Pensei.
— Claro! Podemos trocar sim. Pensei que fosse gostar deste. Foi o garçom quem sugeriu — respondeu ele, tentando disfarçar seu próprio incômodo.
— Você fez uma boa recomendação. Obrigado por isso. Mas prefiro beber um branco Châteauneuf-du-Pape, da Château Sixtini. Por favor, certifique-se de que nos trará um de uma safra de, pelo menos, três anos atrás, e que seja orgânico — comentei, gentilmente, olhando para o garçom, sorrindo levemente depois de falar.
— O tempo só faz você melhorar seu bom gosto — comentou Aidan, referindo-se à escolha do vinho que fiz, e deu um gole demorado no uísque.
— Não é bom gosto, Aidan. É somente uma questão de dar ao paladar o que ele precisa para me oferecer a experiência que desejo com a comida. Neste caso, o vinho serve à lagosta. Esse que pedi, vertido na taça, exala aroma de jasmim e pera. E a mescla do gosto suave de damasco somado à sua acidez imprimem em meu paladar o que preciso para que a lagosta fique mais saborosa do que já é — e dei um gole na água, encarando seus olhos, que demonstravam admiração pelos meus conhecimentos como apreciador de vinhos.
Nisso, percebi que minhas falas com Aidan estavam sempre em tom de ataque, travestidas de elegância e sofisticação, mas sempre de ataque. Não fale dessa forma com ele, Gaius! Ele não pode desconfiar de nada. Seja doce e conseguirá o que quer. Pensei. Então, decidi ficar mais calado, pondo-o para falar.
— Como estão as coisas com a sua construtora? — perguntei.
Aidan contou que os negócios estavam caminhando bem e que a Holding Lifting, pertencente à sua família, desde a sua fundação, já havia completado quase vinte mil projetos em cento e quarenta países, e, ainda, que a empresa se dedicava, atualmente, à construção de uma gigantesca represa entre os estados de Arizona e Nevada. Curioso de como se dava o seu trabalho, incentivava Aidan a falar mais sobre ele, enquanto esperávamos o garçom nos trazer o vinho e levar nosso pedido de jantar. Ele parecia feliz de conversar, de explicar como era sua rotina de trabalho da manhã à noite durante quase todos os dias e de como passava seus fins de semana trabalhando sozinho em seu apartamento em Nova Iorque. Comentou que sentia falta de sair para jantar, de ir a um vernissage ou, simplesmente, de ver a um filme no cinema. Lamentou ao dizer que não tinha companhia para fazer essas coisas, pois quase todos os seus conhecidos ou colegas de trabalho eram casados e sempre rejeitavam seus convites. Declarou que se sentia incomodado em sair sozinho, quase deixando escapar que preferia ficar em casa por não ter um namorado com quem compartilhar esses momentos.
Nossa conversa foi interrompida pelo garçom, que nos trouxe o vinho, abriu e verteu um pouco em minha taça para degustação. Percebendo o que fazia, comentei que já conhecia o vinho, e que ele podia servir a nós dois. Aidan e eu pedimos um pouco mais de água e o nosso jantar: uma salada verde mista de palma, uma lagosta Jumbo Nova Scotia de quatro libras com manteiga derretida e limão fresco, devidamente acompanhada de couve de bruxelas, creme e folhas de espinafre, batatas Au Gratin e cogumelos selvagens.
Minutos depois, ao dispor os pratos sobre a mesa, o garçom deixou disponível uma lavanda, para o caso de precisarmos lavar as pontas dos dedos. Antes que eu passasse o guardanapo sobre minha cabeça e começasse a me preparar para quebrar a lagosta, Aidan, subserviente como sempre, falou:
— Não precisa fazer isso. Você está muito bonito para colocar essa coisa horrorosa em seu pescoço. Eu quebro para você — e sorriu, tentando me agradar, lançando seu charme sobre mim.
Aidan segurou a lagosta com as duas mãos e, com a ponta dos dedos, torceu-a vagarosamente em posições opostas, cabeça e corpo, desmembrando-os. Depois, quebrou o rabo e, em um movimento único e certeiro, enfiou seu longo dedo indicador pelo rabo da lagosta, empurrando aquela carne macia para fora da casca. Eu observava aqueles dedos ágeis e a concentração com que ele fazia aquilo e pensava que, talvez, um médico, em uma cirurgia, não conseguisse ser tão preciso quanto ele foi. Antes que eu piscasse os olhos novamente, as mãos meladas de Aidan estenderam, diante de mim, a carne da lagosta em um prato, pronta para ser comida. Recebi o prato que ele me deu e entreguei o meu vazio a ele. Observei-o fazer aquilo novamente com a pata da lagosta, desta vez, utilizando o quebrador. Aidan me deu a maior parte do crustáceo, ficando com a menor, e parecia contente com o que tinha em seu prato para comer. Esperando-o terminar para começarmos a comer juntos, contemplava seu rosto e vários pensamentos invadiam minha mente, inclusive o de se eu conseguiria concretizar o que planejei.
— Prontinho. Vamos comer — disse ele, e ergueu a taça de vinho, propondo um brinde.
— Obrigado por quebrar para mim. Nunca sei fazer isso direito. Uma vez, ela escapuliu da minha mão e caiu no chão. Desde esse dia, Marcus sempre quebrava para mim — comentei, e vi em seu rosto um semblante de preocupação aparecer.
— Vamos falar de coisas boas esta noite. Um brinde a você e a nós, por este reencontro maravilhoso. Saúde — e pressionou sua taça contra a minha, piscando um olho para mim, enquanto deixava escapar um sorrisinho de felicidade.
Enquanto jantávamos, Aidan falava sobre trabalho e a preocupação que tinha com seu pai, o Senhor Daan, que abusava do cigarro e das bebidas, mesmo já tendo passado dos sessenta anos. O que o angustiava naquele momento não eram somente os vícios do pai, mas, também, o fato de ele estar conhecendo mulheres jovens pela internet e de estar gastando, com elas, muito dinheiro em viagens e presentes. Segundo ele, o pai já o havia apresentado a uma ou duas delas. Os dois discutiram algumas vezes por causa disso, mas o Senhor Daan manteve-se inflexível na busca por alguns pequenos prazeres, mesmo na terceira idade, e enfrentou o filho, afirmando que precisava de sexo e, ainda, que se preciso fosse, pagaria para tê-lo. Aidan entendia que o pai havia se rendido à cultura dos chamados sugar daddy, e fez questão de comentar o quão vulgar aquilo lhe parecia. Narrando com reclamação as ações do pai, que considerava como descalabros, Aidan observava outras mesas, e franzia a testa, como se estivesse incomodado com alguma coisa. Percebendo que algo acontecia, perguntei a ele:
— Algum problema, Aidan?
— Acho que algumas pessoas estão nos fotografando — e virou a cabeça mais uma vez para os lados.
Nisso, olhei para trás e vi quatro ou cinco mesas de pessoas, que cochichavam entre si e olhavam para nós de soslaio. Outras, usavam seus celulares para nos fotografarem e fazerem vídeos. No fim do restaurante, três ou quatro garçons observavam nossa mesa de forma diferente. Voltei meu rosto para Aidan e perguntei:
— Por que eles estão olhando para nós?
— Acho que é por causa do seu livro e por tudo que aconteceu.
— Não sabia que tinha repercutido tanto assim... — comentava, quando fui interrompido por ele, que falou com tom de dissabor, mas sem ser grosseiro.
— Gaius, você publicou um livro há mais de dois anos expondo todos nós, inclusive a si próprio. Seu livro, até hoje, já vendeu mais de trinta milhões de cópias no mundo inteiro e, em quase todo o primeiro ano, ficou na lista dos mais vendidos do The New York Times. E não podemos esquecer toda aquela confusão há seis meses, não é? Não se deve admirar que as pessoas reconhecessem você e comentassem o que narrou naquela história e o que aconteceu depois.
Por um instante, refleti sobre o que Aidan dizia. Há meses que eu não pisava em solo norte-americano. Tinha retornado há poucos dias e não imaginava que as coisas que contei no livro tivessem ganhado aquela proporção. Pensei que a imprensa tivesse esquecido de mim. Agora entendo porque a produção da Oprah insiste tanto em uma entrevista. E confesso que estar ali, com todas aquelas pessoas falando sobre mim, incomodou-me, mas não o suficiente para me fazer parar de comer a minha lagosta com aquele delicioso creme de espinafre.
— Você quer sair daqui? — perguntou Aidan, preocupado.
— Não. De jeito nenhum. Sempre vivi em Nova Iorque, e não vou me retirar de um restaurante porque existem pessoas me fotografando. Deixe-as em paz. Daqui a pouco elas param — respondi, arrogantemente, e dei uma garfada na lagosta.
— Você enricou os tabloides norte-americanos por muitos meses, Gaius. Acabou sendo a principal notícia semanal para eles — argumentou Aidan, tentando me convencer a sair do restaurante.
— Aidan, vou continuar aqui. Não vou sair. É um livro. Já foi escrito. Não há o que fazer. Hoje, considerando tudo que aconteceu, até acho que não deveria tê-lo escrito, mas não tenho mais o que fazer.
— Só acho que é importante saber que você ganhou muita notoriedade na cidade. As pessoas falam de você, Gaius — e torceu os lábios, como se dissesse que minha reputação não era a das melhores.
— Coisas boas ou ruins? — perguntei, curioso e um pouco ansioso também.
— As pessoas falam muitas coisas — respondeu, tentando desviar o assunto, extremamente desconcertado.
Entre Aidan e eu, por causa da atenção que atraí para a mesa, surgiu um clima pesado, onde qualquer outro assunto não poderia ser conversado com naturalidade. Aidan estava muito preocupado e, ao mesmo tempo, atento. Sua vigilância fazia com que a atenção para o que tentava conversar com ele fosse diminuída. Enquanto eu procurava agir com naturalidade e ignorar aquela situação, que só crescia no The Palm, contando sobre o curso de fotografia que fazia há alguns anos, vi Aidan fechar a cara e levantar-se bruscamente, ao perceber que uma moça caminhava em direção à nossa mesa com um celular na mão. Ele se aproximou de mim, ficando ao meu lado, e assumiu quase a postura de um segurança particular. Eu permaneci sentado, repousei os talheres no prato, limpei meus lábios com o guardanapo e dei um gole no vinho. Instantes depois, a moça, sorridente, pediu licença, desejou-nos boa-noite e perguntou se poderia tirar uma foto comigo. Meu espírito relaxou ao ouvir seu pedido. Graças a Deus! Pensei. Sorrindo para ela, respondi que sim. Tiramos uma foto e ela comentou que havia adorado o livro. Agradeci-a pelo comentário, e ela nos deixou, ainda sorrindo, feliz por ter uma foto minha. Olhei para Aidan e comentei: