— Vamos para a cama — e depois de encontrar os olhos de Rachel, comecei a caminhar para o outro cômodo da suíte.
Finn levantou as calças suavemente e me seguiu. Nisso, a voz dela nos fez parar:
— Fiquem aqui. Eu quero ver — e deu mais um trago no cigarro, expressando que gostaria de me ver transar com o garçom ali mesmo.
Ergui minha cabeça e aceitei o desafio. Livrei-me do par de tênis que cobriam meus pés, empurrando-os um contra o outro. Desabotoei a calça, abaixei-a com a cueca branca, já encharcada de prazer, e fiquei de quatro no sofá, esperando que o garçom me comesse. Empinei minhas nádegas, rocei meu rosto no tecido do sofá, virei minha cabeça e, mais uma vez, olhei para Rachel, que logo retirou do seu casaco um preservativo e levou para Finn. Ele rasgou o papel laminado, desenrolou-o no membro, salivou os dedos, lubrificou meu ânus, aproximou-se, mirou bem e enfiou de uma vez. A primeira dor que senti não foi de prazer. Foi aguda e cortante. Puta que pariu! É grossa demais! Parece o pau de Marcus. E, tentando aguentar aquele membro grosso que dilacerava minhas carnes, lembrei do meu irmão. Em instantes, minha boca ganhou vida própria e meus lábios começaram a se contorcer, um contra o outro, em meio aos gemidos que escapavam das minhas narinas. Ai! Que gostoso! Repetia para mim mesmo, domando meu corpo ao prazer da minha mente. Finn estocava minha bunda com força, enfiando-o inteiro, desordenadamente, sem ritmo algum. Seus movimentos aceleravam mais e mais, e os meus gemidos também. Nisso, percebi-me gritando de prazer e dor, em um crescente compasso de gemidos intermináveis, que não se contentavam em ficar presos dentro de mim. Gritar me conferiu uma sensação de liberdade e transcendência. Então, fechei meus olhos, entreguei-me àquele pequeno transe sexual e passei a gritar cada vez mais alto. Não demorou, e percebi que Finn diminuiu o ritmo das estocadas. Nisso, ouvi sua respiração descompassada, acompanhada de pequenos tremores em suas coxas, que estavam coladas nas minhas. Ele soltou o ar de seus pulmões, expulsando-o de uma vez. E, logo, senti seu pênis sair de dentro de mim. Ele goza com muita educação. Pensei, e procurei o rosto de Rachel com meus olhos, ainda de quatro no sofá. Levei minha mão ao meu membro e me masturbei. Rapidamente, senti aquela coceira gostosa possuir meu corpo. Gozei e esporrei no sofá abundantemente, enquanto gritava para Rachel, mirando bem em seus olhos pretos. Soltei o ar dos pulmões e derreei meu corpo sobre meu próprio sêmen. Totalmente relaxado, tentava equilibrar minha respiração, entre um abrir e um fechar de olhos, encarando o lustre da sala da suíte, ainda me deliciando com aquele sexo. Alguns instantes em silêncio e vi Finn voltar do banheiro, que ficava no outro cômodo, tomar seu casaco e cobrir seu corpo. Ele parecia envergonhado. Olhei-o e, em seguida, para Rachel, que mantinha um semblante misterioso sobre tudo que viu. Ela deu mais um gole no vinho e, depois que repousou a taça sobre a mesa, falou:
— Estamos indo embora — e começou a caminhar em direção a Finn, que a aguardava para saírem juntos.
Levantei-me do sofá e, enquanto subia a cueca e a calça, comentei:
— Rachel, deveria dormir aqui. Podemos tomar um bom café da manhã ao acordarmos — e abotoei a calça, logo depois de fechar o zíper.
Rachel parou de andar, virou-se para mim e moveu o pescoço, tentando descobrir qual era a minha intenção com aquele pedido. Então, respondeu profissionalmente:
— Quinhentos a mais.
— No meu casaco tem uma bolsa. Pode pegar.
Ela arregalou os olhos, abrindo levemente a boca, espantada com a minha ordem:
— Não tem medo de eu roubar você? — e deu um sorrisinho provocador.
Caminhei até ela e, em um movimento sensual, sugerindo que iria beijar seus lábios, sussurrei próximo à sua boca, intercalando minha pupila entre seus olhos e lábios:
— Não. Você não é uma ladra. É só uma puta. E eu gosto disso — e me afastei, esperando sua reação.
Vi aqueles lábios cobertos pelo batom vermelho escarlate formarem um sorriso para mim.
Finn nos interrompeu, oferecendo-se:
— Se quiser, posso ficar também...
— Rachel, pague a ele. Finn, antes de sair, passe na recepção e avise que quero mais duas garrafas de vinho. Informe que estou bebendo os da Château Lafite Rothscild. E deixe seu número de celular com Rachel para o caso de eu querer encontrar você de novo — ordenei, ainda preso nos olhos dela, deixando claro que ele deveria ir embora.
Ao ouvir o barulho da porta fechando, depois que Finn saiu, comentei com ela:
— Pegue seu dinheiro e fique à vontade. Vou tomar banho — dando-lhe as costas.
Sentia um desconforto em meu corpo. Não sabia ao certo onde nem o porquê. Virei-me para o outro lado da cama, agarrando-me aos travesseiros, não querendo acordar. Foi inútil. Abri meus olhos e, logo, lembrei-me que Rachel havia dormido na suíte. Movi meu rosto e procurei-a na cama. Onde ela está? Levantei-me, fui até a sala e vi-a deitada no sofá, dormindo com a boca aberta, ressonando profundamente. Passeei meus olhos pelo seu corpo coberto com as mesmas roupas da noite anterior e parei em seu rosto ao percebê-la se mover. Suas orelhas eram tão lindas, mesmo com aqueles brincos baratos e cafonas. Vou tomar banho. Estou com fome. Disse a mim mesmo, enquanto saía da sala. Tomei o telefone, liguei para a recepção, e pedi café para dois.
Ainda de toalha, saindo do banho, ouvi alguém bater na porta. Cobri meu corpo com um roupão e fui receber o café. Enquanto dois garçons empurravam duas mesinhas com diversas bandejas cobertas, Rachel acordou e se sentou no sofá. Fechei a porta e perguntei a ela:
— Por que não dormiu na cama comigo? — e fui descobrindo as bandejas para ver o que queria comer.
— Você se mexia demais na cama. A todo instante batia em mim. Tem um sono inquieto e fala durante a noite — respondeu, coçando os olhos e bocejando.
Eu falo durante a noite? Ninguém nunca reclamou. Pensava, enquanto me servia de café. Levei até ela e respondi:
— Desculpe se não a deixei dormir.
— Não tem problema. O sofá é igualmente confortável. Que horas são? — e levantou-se, dando um gole no café.
— Não sei. Deve passar das 15h.
Ela esbugalhou os olhos.
— Meu Deus! Preciso ir embora. Minha filha tem compromisso à tarde com os estudos. Tenho muita coisa para fazer...
— Calma, Rachel. Tome o seu café com calma. Sua filha sabe que está trabalhando — comentei, interrompendo-a, tentando tranquilizá-la.
— Não podia ter dormido aqui. Estou atrasada — e, logo, soltou a xícara de café na mesa e tomou seu casaco para vestir.
Fiquei alguns instantes observando seu nervosismo e pressa. Depois, comentei:
— Pensei que podíamos passar o dia juntos hoje. O que acha?
Ela parou, moveu o pescoço em desconfiança, tentando descobrir por que queria passar o dia com ela. E, em uma frase quase grosseira, questionou:
— O que você quer comigo, garoto? Pagou-me dois mil por uma noite. No momento em que ia embora, pediu-me para ficar. E, agora, quer passar o dia inteiro comigo? A gente nem transou, cara. O que está rolando aqui? Está se apaixonando por mim, é? — e pôs as mãos na cintura, esperando minha resposta.
— Calma. Não sei porque ficou nervosa. Foi só uma ideia. Pensei em sairmos, visitar algumas lojas, comprar algumas coisas, almoçarmos em um bom restaurante, conversarmos... Essas coisas, entende? Imaginei que pudesse gostar — e mordisquei um morango, encarando-a, esperando sua resposta.
Seu semblante, antes de indagação e dúvida, transfigurou-se em alegria e prazer. Suas feições demonstravam isso.
— Fazer compras? — perguntou com o tom de voz baixo e suave, sugerindo que eu continuasse falando.
— Sim. Comprar roupas. Sabe que tenho sentido muito interesse em joias essas últimas semanas. Anéis, colares, brincos, pulseiras, tiaras... Quem sabe, não encontro algo que me agrade? Ou que fique bem em você também? — dei uma última mordiscada no morango e um gole no café, percebendo seus olhos brilharem ao me ouvir falar de roupas e joias.
Rachel permaneceu em silêncio, pensando e me encarando. Depois de desviar seus olhos dos meus, algumas vezes, caçando palavras para aceitar, falou:
— Quinhentos a mais. E já vou avisando que não posso dormir com você hoje à noite...
— Rachel, não precisamos ficar falando de dinheiro a todo instante. Isso é tão chato. Por que não fazemos assim? Todas as vezes que você estiver comigo, pago-te dois mil euros, seja para um turno ou para o dia inteiro? Fica bom assim para você? Se nos virmos todos os dias, poderá passar mais tempo com a sua filha e não terá de ir para a vitrine à noite, pois sei que você não ganha esse valor trabalhando a noite inteira, não é? O que acha? — explanei, suavemente, induzindo-a a aceitar a me fazer companhia durante o passeio.
Depois de mais alguns instantes em silêncio, Rachel perguntou:
— Tem algum telefone aqui para eu ligar para minha filha? — e abriu um sorriso para mim, confirmando que passearia comigo.
— Tem, sim. Ligue e tome seu café. Vou tomar meu drink e me arrumar — e sorri para ela, saindo com minha taça na mão.
Caminhava para o outro cômodo, quando a ouvi perguntar, ansiosa:
— O que é isso? Por que tem tanta comida aqui? Onde vamos comprar as joias?
— Passo o dia beliscando um pouco de cada coisa. Por isso, peço um café completo. Tome seu champanhe e coma o que quiser. Alimente-se bem, pois hoje iremos às compras e não sabemos a que horas voltaremos. Vamos começar com a Tiffany. E, depois, sabe-se lá Deus o que mais — respondi, já dentro do banheiro, tirando a roupa, depois de ligar o chuveiro, aumentando o volume da voz a cada frase.
Era fim de tarde e Rachel e eu estávamos animados. Como estava quente e abafado, optamos por ir andando do hotel até a loja, e, durante todo o caminho, tive que me controlar para não parecer chato, pois ela não parou de falar por um instante sobre como aquele era um dos dias mais importantes em sua vida. O ímpeto dela era visível, e sua ansiedade era enorme. Sorria algumas vezes para ela, tentando compartilhar aquele momento único em sua vida, mas confesso que meus pensamentos eram bem diferentes do que meus lábios transmitiam. Nada agrada mais uma puta que um homem que gaste dinheiro com ela. Pensava, todas as vezes que a ouvia comentar, animadamente, que iria visitar uma das grifes de joias mais caras do mundo, e como cliente, o que a deslumbrava mais ainda. Pelo amor de Deus! É só uma loja! Pare de falar sobre isso! Repetia a mim mesmo, esforçando-me para não deixar escapar o que pensava pela minha boca. É ali, finalmente.
Ao entrarmos, um homem magro, careca e de barba aparada, recepcionou-nos com os olhos. Duas atendentes logo sorriram para nós, ao mesmo tempo em que um garçom se afastou, certamente, para buscar aquele champanhe barato que eles costumam servir para persuadirem os clientes a comprar. Rachel estava nervosa e deslumbrada por entrar na Tiffany. Considerando as poucas gafes que cometeu, posso afirmar que ela se saiu bem. Nem parecia aquela prostituta que conheci na noite anterior, vendendo seu corpo em uma vitrine por cinquenta euros. Ela observava o ambiente com os olhos brilhantes, enquanto caminhávamos despretensiosamente pelas ilhas de vidro espalhadas pelo salão da loja. Não demorou e, logo, o homem careca se aproximou de nós. Ele vestia calça, sapatos e camiseta preta, e, sobre seus ombros, repousava um paletó de veludo azul-marinho. Usava óculos quadrados com armação grafite, o que realçava seu tom de pele claro.
— Boa tarde! Sejam bem-vindos! Posso ajudá-los em algo que desejem? — perguntou, parcimoniosamente, explicando bem cada palavra, tentando ser o mais atencioso possível.
Revirei meus olhos em desagrado àquele atendimento falso. Depois de um sorrisinho forçado, dei as costas para ele, continuando observando uma ilha de colares próximo a mim. Sem resposta, o homem abriu a boca para falar novamente. Nisso, interrompi-o:
— Acho que minha amiga quer ver alguns brincos. Por que não os mostra para ela? — sugeri, ainda contemplando aqueles colares singelos, quase pedindo para que me deixassem sozinho.
— É claro. A senhora pode me acompanhar, por favor? — disse ele a Rachel — levando-a consigo.
Graças a Deus que ela saiu de perto de mim! Não suporto pessoas pobres e deslumbradas! Pensei e tentei acalmar minha irritação, observando aqueles colares tão finos e singelos. Espremia meus olhos e inclinava meu rosto a fim de vê-los melhor. A variedade era enorme, de todos os tipos, estruturas e formatos. Um deles chamou a minha atenção. Suas argolas eram minúsculas, quase imperceptíveis a olhos nus, e seu pendente tinha o formato de um ramo de oliveira, com sete folhas, três em cada lado e uma na ponta. O pendente era preso ao colar por suas pontas, o que o evidenciava ao estar sobre a pele. Que lindo! Por um instante, o passado invadiu meu presente e, logo, imaginei como aquela joia cairia bem naquele peito rígido e peludo do meu irmão. Distraído entre lembranças, ouvi uma voz. Era uma das atendentes que se aproximava e perguntava calmamente se poderia me ajudar. Respondi, pedindo para ver o colar com ramo de oliveira. Enquanto ela dava a volta para o outro lado da ilha de vidro, um garçom se aproximou. Ele carregava em sua mão duas taças de champanhe. E, antes que dissesse alguma coisa, irritando-me, antecipei-me e falei:
— Ela quer champanhe. Por favor, traga-me um pouco de água — e apontei para Rachel com os olhos e, logo, vi o garçom dar as costas para mim, indo em direção a ela, que não parava de falar com o homem careca sobre todos os brincos que tinha gostado de experimentar.
Voltei meus olhos para a atendente, e vi-a vestir uma luva preta em uma mão, abrir a vitrine e retirar cuidadosamente o colar. Foi um verdadeiro espetáculo de beleza, vê-lo sair da vitrine sobre aquele tecido, que cobria a mão da atendente. Estonteante! Estendendo-o diante de mim, ela disse:
— Não é lindo? Essa é uma bela homenagem ao ramo de oliveira, que é símbolo da paz e da abundância. O colar e o pendente são de ouro vinte e quatro quilates e tem 45,75 centímetros. Caso seja necessário, se for da vontade do Senhor, podemos ajustá-lo para que fique perfeito em seu corpo. Deseja experimentar?
— Sim, por favor — respondi.
Então, ela me conduziu para a frente de um grande espelho vertical, onde pude ver meu corpo inteiro, e, suavemente, posicionou-se atrás de mim, pedindo licença, enquanto repousava suas mãos em meu pescoço. Em instantes, aquela preciosidade reluziu sobre o blazer branco que cobria meus ombros.
— O Senhor não deseja retirar o blazer? Poderá vê-lo melhor em seu corpo — perguntou, sugerindo.
— Não é necessário — e, logo, afastei-me dela, aproximando-me do espelho, ajustando aquela joia pendida em meu pescoço, a fim de que ficasse no centro do meu peito, sobre a camiseta verde escuro que vestia.
Movendo meu corpo para a direita e esquerda, tentando vê-lo sob diferentes ângulos, perguntei a ela:
— De quem é o designer? — e fiquei meio de perfil diante do espelho, encantado com a joia.
— É de Paloma Picasso. O Senhor conhece o trabalho dela?
— Sei que assinou uma fragrância para a L’Oréal no passado. Não sabia que era designer de joias.
— Ela projeta para a Tiffany desde 1980. Essa é uma de suas peças mais belas — comentou.
Preciso ler mais sobre joias. Pensei e, logo, pedi para que ela a retirasse do meu pescoço. Em seguida, comuniquei que queria duas unidades daquele colar. O garçom se aproximou com a minha taça de água. Depois de dar o primeiro gole, ouvi o estalo de um cristal no chão. No mesmo instante, pensei que Rachel deveria ter feito algo de errado. Procurei-a com os olhos pela loja e vi-a pedindo desculpas ao homem careca por ter deixado cair a taça de champanhe no chão, sujando a calça dele. Ela se desculpava repetidamente e tentava limpá-lo com um lenço branco que havia retirado da bolsa, completamente atrapalhada. O homem, delicadamente, tentava impedi-la de tocar nele, falando que não havia motivos para que se desculpasse. Olhei aquela cena e vi minha irritação ir embora, dando lugar à enorme vontade que tive de rir. Oh, meu Deus! Sinto que os dias que passarei aqui em Amsterdã serão animados com ela. A atendente me olhou com um sorrisinho no rosto, controlando-se. Então, comentei:
— Estou hospedado no Waldorf Astoria Amsterdam. Peça para entregarem na suíte de Gaius Barrys. Ela vai escolher um par de brincos. Eu pagarei. E é melhor eu levá-la daqui antes que quebre mais alguma coisa — e dei um sorrisinho para a atendente, estendendo meu cartão de crédito para ela, enquanto a vi me olhar como se o meu nome a tivesse feito lembrar-se de algo.
Será que ela me conhece? Pensei. A atendente saiu e deixou-me sozinho. Próximo a mim, o garçom observava a cena de Rachel com o homem careca, controlando-se para não rir. Então, chamei-o e pedi sussurrando:
— Sei que o champanhe que vocês servem aqui não é bom, mas fiquei mais animadinho agora. Traga-me uma taça, por favor — e pisquei o olho para ele, que sorriu para mim como se confirmasse o que disse.
E, em uma fração de segundos, minha irritação passou, e meu humor voltou. Então, salvei o homem careca de um constrangimento maior:
— Rachel! Escolha seus brincos e vamos embora. Temos que almoçar — e tentei não gargalhar ao lembrar dela limpando as calças do homem careca.
Acho que vou passar mais tempo com ela. Será divertido! Pensei.
Naquele mesmo dia, por volta das 21h, retornei para a suíte, pedi algo para comer e, depois de um longo e demorado banho, cobri meu corpo com o roupão, acendi um cigarro e dei um gole no vinho. Lembrei-me de Alyce. Tomei o celular na mão e vi dezenas de e-mails não lidos e algumas mensagens também. Abri a conversa com Alyce e li novamente a última mensagem que ela me enviou:
“Já estamos em Gramado. A viagem foi um pouco cansativa. Todos estão bem. Sinto que Arthur está tímido. Ele comenta que tem saudade do pai. Já o vi chorando em alguns momentos. Tento distraí-lo. Às vezes, consigo. Não se preocupe conosco. Descanse e aproveite sua viagem. Se precisar de algo, não hesite em me avisar”.
Quis enviar uma mensagem para ela, mas desisti. Tive a sensação de que iria atrapalhar e, também, que não seria bom para mim, pois precisava ficar sozinho para poder organizar minha cabeça. Ela tem dinheiro e está com sua família no Brasil. Não há com que se preocupar. Como pretende ficar sozinho se no segundo dia em Amsterdã fez amizade com uma puta e já planejou encontrá-la outras vezes, Gaius? Não entendo você! E, assim, continuava brigando com minhas incoerências mentais. Deslizando o polegar entre as mensagens, vi uma de Jean Paul, meu terapeuta:
“Gaius, perdeu o horário da nossa última sessão. Precisamos agendar um novo horário”.
Puta que pariu! Esqueci completamente. Precisava mais de Jean Paul que ele de mim. Liguei para ele no mesmo instante.
— Gaius? — disse com a voz indiferente.
— Desculpe, Jean Paul. Sei que não gosta que me atrase ou perca as sessões. Aconteceram algumas coisas, e eu me perdi nos horários — e dei um trago no cigarro, caminhando pela suíte, esperando a bronca que ele sempre me dava todas as vezes que aquilo acontecia.
— Gaius, já conversamos sobre isso. Preciso lembrá-lo de que meu tempo para nossa terapia é valioso. Aceitei sua proposta de continuarmos fazendo terapia online por causa de tudo que estava acontecendo, mas não me sinto confortável todas as vezes que você se atrasa ou falta às sessões. Essa ferramenta tecnológica impõe diversas fragilidades em minha abordagem psicanalítica. Não quero ter que lidar com problemas que podem ser evitados. Preciso que se discipline e marque horários comigo que possa cumprir. Essa não é a primeira vez que temos essa conversa. Não gostaria de ter que mencionar esse assunto novamente com você — disse ele, educadamente, surrando-me com a língua mais uma vez por causa das remarcações das sessões de terapia.
— Desculpe, Jean Paul. Prometo que irei me organizar melhor. Podemos recuperar a sessão perdida agora? — e espremi meus dentes uns contra os outros, sorrindo silenciosamente, enquanto torcia que, mais uma vez, ele se adaptasse ao meu horário.
Ouvi-o respirar, quase que bufando. Então, respondeu:
— Ainda não consegui jantar. Houve imprevisto aqui no hospital. Vou comer alguma coisa e ligo a câmera em quarenta e cinco minutos. Aí em Nova Iorque são quase 16h, não?
— Estou em Amsterdã. É o mesmo horário de Mônaco. São quase 22h. Vou jantar e aguardo você ligar a câmera — e desliguei.
As sessões com Jean Paul me ajudavam a organizar meus pensamentos e sentimentos, além de conferir clareza sobre os passos que dei e os que estava propenso a dar. Ele era um porto seguro para mim e para minhas instabilidades mentais. Não foi à toa que, depois da quarta sessão com meu antigo psicólogo, quando ainda estava na Suécia, resolvi encerrar aquela terapia e pedir a Jean Paul que me atendesse de forma virtual, visto que estávamos em países diferentes: ele, em Mônaco, e eu, à época, na Suécia. Desde aquele momento, ele voltou a ser meu terapeuta, e pude continuar o tratamento que iniciei no Center Hospitalier Princesse Grace, em Mônaco, anos atrás. Desde que retomamos, tínhamos o compromisso de conversar por cinquenta minutos uma vez por semana. Algumas vezes, perdi as sessões e me atrasei em outras, o que lhe causava irritação e conferia a ele o direito de me dar uma bronca na sessão seguinte. Ele e eu estabelecemos uma dinâmica razoável a partir dos atendimentos via internet, visto que me convenci de que precisava fazer terapia somente com ele. Aquele meio era a única opção de tornar as sessões possíveis de se realizarem. Tive que me adaptar às suas exigências: uma sessão por semana, no mínimo; se julgasse necessário, teríamos duas ou até mesmo três; precisaria estar um local sozinho e sem interferências de outras pessoas; não poderia beber ou fumar durante a sessão; a câmera do meu celular precisava estar ligada para que pudesse me ver e conversar comigo. Além disso, tive que pagar quase o triplo do que se paga normalmente por uma sessão de terapia em Mônaco. Com o valor que pago a ele por sessão, quase posso faltar, quando quiser. E assim, passaram-se mais de dois anos em que nossas sessões ocorriam. E, ao longo desse tempo, nunca tive dúvidas de que Jean Paul me conhecia muito melhor que eu mesmo, embora, às vezes, discordasse dele, principalmente quando me era conveniente. Sempre confiei muito mais no que ele me dizia do que eu mesmo pensava sobre mim. A psicanálise chamaria isso de transferência. Eu chamo de sensatez. Dava-me muito bem com ele. Só lamentei bastante que as coisas mudaram entre nós no futuro.
Ainda de roupão, sentado à mesa, tendo o celular à minha frente, no horário estabelecido, a foto dele surgiu no visor.
— Boa noite, Gaius! — e logo deitou suas costas em sua cadeira de trabalho daquela mesma sala onde nos encontramos diversas vezes anos atrás, tentando encontrar uma posição confortável para iniciar a sessão comigo.
— Boa noite, Jean Paul! Resolvi sair de Nova Iorque. Estou em Amsterdã. Queria ficar um tempo sozinho depois de toda aquela loucura, e imaginei que aqui fosse um lugar bom para isso. Mas não foi bem assim. No segundo dia conheci uma prostituta, e ela já dormiu em minha suíte com um garçom que me interessei no Bairro da Luz Vermelha. Mas, antes disso, fui ao Van Gogh Museum. Você sabia que lá tem uma pintura dele com a orelha cortada? É um autorretrato. Ele cortou a orelha como gesto de amor a uma prostituta chamada Rachel, que morava em Arles, na França... — e continuei contando a ele todas as coisas que estavam acontecendo em Amsterdã, desde o prazer pelo sebo no pênis de Finn até mesmo o vexame que Rachel deu na Tiffany, quebrando uma taça de champanhe.
Com o tempo, considerando todas as situações que já haviam sido apresentadas a Jean Paul, ele passou a fazer algumas perguntas a mim no fim de cada sessão. Não eram muitas. Duas ou três, no máximo. Às vezes, somente uma. Mas sempre me perguntava algo. E elas me deixavam pensativo durante toda a semana que antecedia a próxima sessão com ele. Naquela, perguntou-me ele: